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Meus queridos, a postagem abaixo foi a última neste endereço. A partir de agora, meu blog (textos novos e antigos) estará no site do jornal O Diário. Acesse: odiario.com/blogs/luoliveira. Espero contar com vocês todos que já "passaram" por aqui! Beijo grande!!! LU - 08/09/10

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Alianças que separam





                              O dia começou gelado. O vento cortava, o sol não dava pistas  e somente os mais corajosos se arriscavam a sair de casa. Em plena manhã de domingo, ficar na cama era um convite quase irresistível. Naquele bairro calmo, de uma cidade também calma, uns poucos moradores enfrentavam o frio para não perder a missa.
                        Apesar do clima convidativo para um descanso a mais, Odete não conseguiu ficar na cama. Bem que tentou, mas seus pensamentos não permitiam. Fazer de conta que nada estava acontecendo era impossível.                        Olhou para o lado e viu Onofre, seu marido há quase trinta anos, dormir um sono aparentemente tranqüilo. Como ele conseguia? Por acaso não vivia os mesmos problemas que ela? Então não estava envolvido na mesma situação difícil? Parecia que não...
                       Sentiu um misto de raiva e compaixão por aquele homem que fora tão fraco a vida toda. Fraco para o jogo, para as apostas, fraco demais para protegê-la do jeito que imaginava ser um marido, nos seus idos tempos de menina.
                        Mas não podia desanimar. Mais uma vez, teria que resolver o problema sozinha. Com os filhos não podia contar. Eram três, mas todos casados, com filhos e também com problemas de sobra. Novamente, teria que tentar consertar um erro de Onofre.
                        Foi fazer o café. Mas não fez com gosto. Fez com tristeza e aflição. Não teve ânimo nem mesmo para buscar pães fresquinhos. Os do dia anterior serviriam para o marido, pois ela mesma não queria saber de comer.
                        O relógio já marcava 9 horas. Onofre não levantava e isso a deixava ainda mais irritada. Como podia ter esquecido que aquele era o último dia? Ás vezes queria dar um voto de confiança a ele, acreditar que pudesse ser responsável, mas logo vinha à sua mente tudo que já havia passado com aquele homem e concluía que era pura ilusão.
                        Já passava das dez quando ele levantou. Olhos inchados, boca seca, os poucos cabelos despenteados. Apareceu na cozinha feito uma assombração, perguntando por que ela ainda não havia buscado o pão. Odete se conteve. Tinha vontade de dizer umas verdades para ele, mas preferiu evitar mais uma discussão. Apenas resmungou uma resposta e foi para o quarto.
                        Entrou e fechou a porta. Sabia que ele demoraria a tomar café, era sempre assim. Aproveitou para pegar a caixa. Tinha guardado cuidadosamente, sob umas roupas antigas.
                        Enfim a encontrou. Sentiu um arrepio ao abri-la. Lá estavam elas, parece que aguardando aquele momento. Retirou-as com cuidado e as guardou em uma pequena embalagem. Onofre batia à porta. Perguntava por que estava fechada.
                        Odete saiu do quarto e nem olhou para o marido. Era incrível como ele não tinha percebido algo diferente nos últimos dias. De fato, aquilo era a comprovação do quanto Onofre estava desligado de tudo, principalmente do casamento deles.
                        O almoço transcorreu em um silêncio constrangedor. Os filhos tinham ligado e avisado que não podiam ir naquele domingo. Odete achou até melhor, não seria bom para eles ver a que ponto o pai tinha chegado. Depois, enquanto lavava a louça, ouvia o marido roncando na sala. 
                        O tempo foi passando. Quase no final da tarde, ouviu  palmas. Onofre estava no banho e gritou para que a mulher visse quem era. Era impressionante como ele realmente não tinha lembrado do prazo final. Imagine se ela não tivesse pensado naquela solução, sabe-se Deus o que podia acontecer com eles, com os filhos, com os netos ...
                        Foi para o portão com a embalagem nas mãos. O homem chegou na hora combinada. Não quis entrar, apenas disse que viera buscar o prometido. Odete ouvia o barulho do chuveiro, olhava para a embalagem e pensava se seria mesmo o melhor a fazer. Mas não havia muito que pensar. Não naquele momento, com aquele homem de cara feia na sua frente.
                        Entregou a embalagem. Antes, abriu-a, pegou as alianças e pensou no dia do seu casamento. Seus pais tinham feito um esforço enorme para comprá-las, já que Onofre não tinha dinheiro. Mas agora elas eram o único bem que possuíam e que podia servir como pagamento daquela dívida de jogo do marido.
                        O homem pegou a embalagem e foi embora. Odete entrou, fechou a porta, sentou-se no sofá, desolada. Muito mais que se desfazer das alianças, o que mais a incomodava era o fato de Onofre não ter se dado conta do sumiço do anel. Nem ao menos tinha perguntado sobre ele.
                        Onofre saiu do banheiro. Mal havia se enxugado, como era seu costume. Deixando pingar água por onde passava, apenas disse para a mulher que ela deveria ir buscar pão fresco. 
 
                          

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